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quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Yoga e Fé

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O filósofo romeno Emil Cioran disse certa vez que a diferença fundamental entre a filosofia grega e a indiana é que enquanto aquela busca simplesmente a investigação da verdade, esta se empenha na tarefa de encontrar meios de tornar a existência suportável. Acontece que esse empenho, em muitos casos, toma como base sofismas filosóficos que jamais puderam ser constatados através da análise do mundo fenomênico.
Muitas pessoas que trabalham com yoga, por exemplo, sentem necessidade de ter uma visão otimista da vida e de passar para os alunos essa mesma visão. E, numa tentativa desesperada de fazer do mundo um lugar justo(o que convenhamos é muito difícil!), apegam-se aos mais diversos sofismas: livre-arbítrio, lei do karma, reencarnação, etc... Alguns chegam ao ponto de sugerir que não existe sofrimento injusto e enfatizam o aspecto didático das dores humanas. Isso significa dizer que a criança nordestina que já nasce passando fome, pois a mãe não tem nem leite para alimentá-la, sofre porque está “pagando pelo que fez em encarnações anteriores”. E a pena está sendo aplicada justamente agora, no auge de sua inocência. Convenhamos: esta é uma visão fantasiosa que consegue ser mais cruel e injusta do que a própria realidade. Sendo assim fica a pergunta aos crentes: O que esse recém nascido poderá fazer através do seu “livre-arbítrio”? Qual o “aspecto didático” desse sofrimento?
Pessoalmente, prefiro acreditar que essa criança sofre por falta de consciência de seus progenitores que a colocaram no mundo sem as mínimas condições de sobrevivência. Sofre porque os governantes são negligentes em relação à fome e à miséria. Porque a ganância desenfreada de uns é capaz de construir um império às custas do sofrimento dos mais fracos.
Essa idéia de que “não existe sofrimento injusto” e que “tudo está no seu devido lugar" só interessa aos que estão no poder e querem que o povo se torne cada vez mais passivo e subserviente. Em seu livro: “ A Tradição do Yoga” , Georg Feuerstein diz, a respeito do sistema de castas indiano: “Assim como nós justificamos o os princípios democráticos com a afirmação do valor do indivíduo, o sistema de castas se justifica pela lei do karma: a condição de cada pessoa nessa vida é determinada por seus quereres e ações passadas. Os brâmanes porque praticam a virtude e seguiram a vida espiritual em vidas passadas. Os intocáveis são intocáveis porque não tiveram, no passado, motivação suficiente para aspirar a uma vida superior, ou talvez porque tenham cometido atos muito maus.” Dessa forma, podemos perceber que na Índia, a lei do karma funciona mais ou menos como um curral, um muro artificial construído para separar as castas de forma pacífica.
Posso dizer, sem nenhuma dúvida, que se eu acreditasse em tudo isso, certamente nem precisaria praticar yoga. No entanto venho me empenhando cada vez mais nessa prática a fim de poder encarar a realidade sem necessidade de nenhum subterfúgio, pois como diria o grande filósofo alemão Friedrich Nietzsche: “ O verdadeiro valor de um homem está ligado à quantidade de verdade que ele consegue suportar”.

Flávio Bertola